Friday, April 26, 2013

Vendas de ar-condicionado explodem no quente Nordeste

O processo de inclusão social observado nas duas últimas décadas começa a proporcionar à nova classe média nordestina o sonhado direito ao "refresco". Depois do celular, da geladeira e da TV de tela plana, chegou a vez do aparelho de ar-condicionado, cujas vendas explodiram em uma das regiões mais pobres - e quentes - do Brasil. Se a população das classes C e D já pode ter o equipamento, o mesmo não se pode dizer de sua capacidade de arcar com o ônus dessa aquisição. Frente ao elevado custo da energia elétrica no país, muitas famílias só conseguem desfrutar a climatização por meio de ligações clandestinas.
De acordo com a Associação Brasileira de Refrigeração, Ar Condicionado, Ventilação e Aquecimento (Abrava), as vendas do segmento doméstico cresceram 89% no país entre 2007 e 2012, uma média anual de 17,8%. Conselheiro da entidade, Toshio Murakami estima que o Norte e Nordeste tenham avançado 133% no mesmo período, ou 26,7% por ano. Com um calor acima do esperado nos primeiros meses de 2013, varejistas nordestinos apontam números ainda mais expressivos.
Foi numa noite atribulada, há cerca de um ano, que a professora pernambucana Elaine Euriques de Vasconcelos, 35 anos, decidiu pôr fim a uma vida inteira de suadouro noturno. Na reforma de sua casa, no bairro de Dois Irmãos, periferia do Recife, ela optou por um telhado de PVC, o que deixou o ambiente interno ainda mais quente e abafado. "Durante uma noite insuportável, decidi comprar o ar-condicionado. Hoje minha filha é apaixonada por ele", brinca Elaine, que pagou em dez prestações os R$ 899 do aparelho.
O parcelamento no cartão de crédito concentra quase toda a venda de ar-condicionado na Ponto de Promoção, varejista de eletrodomésticos com 50 lojas no Estado. Fernando Mendonça, dono da rede, diz que no ano passado vendeu 40% mais equipamentos do que em 2011. A Eletroshopping, que conta com 142 pontos em cinco Estados nordestinos, registrou avanço de impressionantes 193% no primeiro trimestre deste ano, em comparação com o mesmo período de 2012.
O presidente da Abrava lembra que, por causa do clima, o Nordeste registra um índice de penetração de equipamentos superior à média nacional, hoje em 17% dos domicílios. São raros os dias em que a temperatura não supere os 30 graus na região. Dados do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) apontam que o primeiro trimestre de 2013 está entre os três mais quentes dos últimos 50 anos na capital de Pernambuco.
"É uma somatória da economia, do crescimento do poder de compra e da cultura do uso na região. No Nordeste, o mercado não é sazonal como no Sudeste", afirma Murakami. Ele reitera que é comum a existência de mais de uma unidade nas residências mais abastadas da região, o que dificilmente ocorre com outros eletrodomésticos, à exceção do televisor.
Na casa da professora Elaine há somente um aparelho de ar-condicionado, mas pelo menos cinco gatos circulavam pela sala durante a entrevista ao Valor. Apesar do apego aos felinos, ela não é adepta das ligações clandestinas de energia, até porque no Recife a gambiarra, contrariando outras regiões do país, que a conhecem popularmente como "gato", é mais conhecida por "macaco". Elaine relata que desde que o ar-condicionado entrou na sua vida, a conta de energia aumentou cerca de 20%. O valor mensal da fatura passou de R$ 100 para R$ 120, mais cara que a prestação do aparelho (R$ 90).
Nem todos podem - ou querem - arcar com o custo adicional. É o caso de um taxista que, devido à situação irregular de suas instalações elétricas, não quis ter o nome publicado. "Se a fiscalização vier aqui, desliga a vizinhança toda", disse, ao descrever com detalhes a banalidade dos "gatos" - ou "macacos" - em seu bairro. "Só assim dá para curtir o geladinho", como são chamados os ambientes refrigerados na cidade, diz.
Segundo o conselheiro da Abrava, os modelos mais modernos de ar-condicionado, que respondem por 70% das vendas, consomem bem menos energia do que no passado. Ainda assim, pesam na conta de luz. A Companhia Energética de Pernambuco (Celpe), controlada pelo grupo Neoenergia, diz ter 1,3 milhão de clientes inscritos na Tarifa Social de Energia, programa do governo federal que dá descontos à população atendida pelos programas sociais, caso da professora Elaine.
A Celpe informou ainda que estão previstas para este ano cerca de 180 mil inspeções e 6 mil blindagens em medidores de clientes que forem flagrados realizando fraudes. O sucesso da fiscalização põe em risco o "geladinho" de muita gente. Ligados ou não, os aparelhos de ar-condicionado funcionam bem como arquétipo da economia nacional, de consumo elevado e gargalos de infraestrutura.
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