quarta-feira, 19 de agosto, 2015

Panificação 'encolhe' e afeta moagem de trigo

Aquele pão especial, com quinoa, gergelim ou ervas, está saindo da mesa do brasileiro. Croissants, bolos e grande parte dos derivados de trigo "supérfluos" estão ficando fora das cestas de compras do consumidor. O efeito dessa mudança de comportamento está sendo sentido na indústria moageira de trigo. No primeiro semestre, o processamento do cereal caiu cerca de 10% no país. Metade da produção nacional de farinha é destinada à panificação.
Nas contas da associação que representa essa indústria, a Abitrigo, em torno de 600 mil toneladas do cereal deixaram de ser processadas de janeiro a junho deste ano devido a esse encolhimento no consumo. O volume é 10% do total de 6 milhões de toneladas que normalmente é processado no intervalo.
O presidente do conselho deliberativo da Abitrigo, Marcelo Vosnika, observa que o uso da capacidade instalada dessa indústria caiu para níveis de 50% a 60%, 10 pontos percentuais abaixo de sua taxa média. O parque industrial instalado no país tem condições de processar, por ano, entre 16 milhões e 17 milhões de toneladas do cereal.
Além disso, a baixa demanda deixa pouco espaço para que os moinhos consigam repassar o aumento de custos, em especial aqueles decorrentes dos gastos com energia elétrica, cujos reajustes sucessivos desde o fim de 2014 significaram um aumento de 5% a 6% nos custos totais dessa indústria, nos cálculos da Abitrigo.
"Diante do nível atual de custos, deveríamos estar vendendo a tonelada da farinha a R$ 1,9 mil, e não por R$ 1,8 mil, como está o preço atual", compara Christian Saigh, presidente do sindicato que representa os moinhos de São Paulo (Sindustrigo-SP) - Estado que lidera o consumo de farinha do país.
São Paulo tem hoje 13 moinhos, que somam capacidade para processar de 2,3 milhões a 2,5 milhões de toneladas do cereal por ano. O uso do parque instalado caiu, segundo Saigh, para 68% do total e deve fechar o ano em 65%, ante os 75% da média dos últimos anos. "Estamos com lucros achatados. Em volume, perdemos 8%; em faturamento, 12%, e a queda do lucro foi de 20%", diz.
As padarias paulistas amargaram no primeiro semestre deste ano uma queda próxima de 10% em seu faturamento. O presidente do sindicato que abriga esses estabelecimentos no Estado, o Sindipan-SP, Antero José Pereira, explica que não houve retração na demanda pelo tradicional pão francês, mas uma estabilidade. O recuo se concentrou nos produtos de maior valor agregado, tais como os pães especiais, bolos e outros itens de confeitaria.
No segmento de massas, biscoitos e pães industrializados, por ora não há sinais de desaquecimento, conforme Cláudio Zanão, presidente do sindicato que representa as indústrias fabricantes desses itens, a Abimpa. Há apenas, conforme ele, uma mera substituição de marcas mais caras por alternativas mais baratas.
A menor moagem tem ainda reflexos sobre a balança comercial do trigo - o Brasil é um dos maiores importadores globais líquidos do cereal - e também sobre as perspectivas de rentabilidade do produtor brasileiro de trigo, que já começou a colher a safra atual.
As importações do cereal caíram 14% janeiro a junho, para 2,5 milhões de toneladas. O país traz do exterior ao menos metade do volume de trigo que precisa, que no total é de pouco menos que 12 milhões de toneladas por ano. Nos cálculos da Conab, o consumo interno do cereal em 2015 deverá somar 11,3 milhões de toneladas, ante as 10,7 milhões de 2014. Diante da conjuntura, o mercado acredita que a autarquia vai ajustar sua previsão para baixo.
No front doméstico, os preços ofertados pelo cereal da nova safra estão mais baixos do que se paga neste momento pelo produto do ciclo passado, diz o analista-sênior da consultoria Trigo & Farinhas (T&F), Luiz Carlos Pacheco. "Os estoques dos moinhos estão alongados. Por isso, eles não têm pressa em voltar a comprar. Hoje se oferta R$ 600 por tonelada de trigo da nova safra, ante R$ 650 pelo cereal da temporada anterior", afirma.
A volta do apetite dos moinhos pode mudar o quadro, mas a fotografia atual mostra o custo de importação do cereal 20% acima do valor pago internamente. "Essa paridade de importação, puxada pela alta do dólar, só será seguida pelo preço doméstico se os moinhos precisarem comprar mais o cereal", diz o diretor da Organização das Cooperativas do Paraná (Ocepar), Flávio Turra.
Até agora, 2% da colheita esperada de 3,9 milhões de toneladas de trigo do Paraná foi vendida antecipadamente, conforme a Ocepar. "Não há tradição em venda antecipada do cereal. Mas, em anos anteriores, o percentual estava mais elevado", afirma Turra. Conforme a Conab, o Brasil deve produzir em 2015 6,9 milhões de toneladas do cereal.
Valor Economico
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