quarta-feira, 25 de junho, 2014

Dieta sem glúten prolifera, mas nem todos se beneficiam

Há dez anos, poucos sabiam o que era glúten. Hoje, muitas pessoas procuram evitar esse elemento encontrado nos grãos. Cada vez mais, os principais fabricantes de alimentos do mundo e cadeias de restaurantes estão reformulando suas receitas e rótulos, criando uma indústria de bilhões de dólares de produtos livres de glúten.
A tendência chamou a atenção de Heather Nutsch, uma pesquisadora dos Estados Unidos da área de oncologia que há anos vem lutando contra a balança. Em fevereiro, ela decidiu seguir uma dieta livre de glúten.
Muitos especialistas da área de saúde, porém, dizem que não há provas dos benefícios dessa dieta, salvo para uma pequena parcela da população que não consegue processar a proteína. Segundo os rótulos, muitos alimentos livres de glúten contêm menos vitaminas, menos fibras e mais açúcar.
"Eu não tenho ideia", diz Donnie Smith, diretor-presidente da Tyson Foods Inc., ao ser questionado se os produtos livres de glúten são mais saudáveis para a maioria das pessoas. A empresa americana lançou em 2013 nuggets de frango, sanduíches de carne e até mesmo bacon sem glúten.
As pessoas hoje se preocupam com o que comem de uma forma totalmente diferente. O desejo de comer melhor, combinado com as iniciativas de empresas de alimentos em busca de novas oportunidades de crescimento, criou um círculo de influência que está sendo muito alimentado pela internet. O resultado é uma cacofonia de afirmações e convicções contraditórias sobre como comer que pode tanto confundir como liberar os consumidores.
Uma onda de livros e documentários nos últimos dez anos despertou desconfianças sobre a indústria de alimentos - dos ingredientes usados ao tratamento dado aos animais. As redes sociais aceleraram a propagação de novas tendências alimentares: o Facebook tem mais de 1.000 grupos com "gluten free" (livre de glúten) no nome, inclusive um grupo de encontros chamado "Solteiros livres de glúten".
Em resposta, empresas criaram uma bateria de novos alimentos, transformando o que poderia ser uma mania isolada em grandes categorias de novos produtos. A empresa de pesquisa Nielsen lista mais de 75 alegações referentes à saúde e ao bem-estar impressas pelos fabricantes de alimentos na frente das embalagens. Aos rótulos mais antigos como "baixo teor de gordura" ou "baixo teor de açúcar", se uniram "baixo teor de carboidratos", "100% natural", "orgânico", "não transgênico", "livre de lácteos" e "livre de hormônios", entre outros.
Críticos dizem que alguns desses rótulos podem ser enganosos. Rótulos com a afirmação "livre de gordura trans" estão aparecendo em produtos como leite, por exemplo, que nunca tiveram a gordura trans artificial que entope as artérias.
As citações "açúcar de cana" e "néctar de agave" hoje também são populares nos rótulos, mas estudos acadêmicos mostram que esses ingredientes têm os mesmos efeitos nocivos do xarope de milho de alta frutose. As vendas de produtos "livre de xarope de milho" subiram 45% nos últimos quatro anos antes, para US$ 921 milhões, segundo a Nielsen.
Para as empresas de alimentos, as novas categorias criam a chance de aproveitar a euforia do consumidor num momento que as vendas de alimentos prontos e os vendidos nas redes de restaurantes estão estagnadas. Outro benefício: embora seja mais caro fabricar esses produtos "saudáveis", as empresas cobram até o dobro do preço por alguns deles, mantendo - e até aumentando - suas margens de lucro, diz o consultor de varejo Willard Bishop.
O glúten é encontrado no trigo, cevada e centeio. Sua estrutura elástica o torna ideal para o cozimento, mas desencadeia uma resposta autoimune em um pequeno número de pessoas, afetando seus intestinos.
O Brasil não tem dados oficiais da doença, mas uma pesquisa de 2005, apresentada à Escola Paulista de Medicina, da Universidade Federal de São Paulo, identificou um celíaco, como é chamado o portador dessa condição hereditária, em cada grupo de 214 pessoas. Nos EUA, eles totalizam entre dois e três milhões de pessoas, menos de 1% da população.
Alguns médicos passaram a sugerir a eliminação do glúten em pacientes para curar doenças misteriosas. Celebridades se uniram à mania, dando ao glúten poderes de perder peso e aumentar a energia. Em poucos anos, o modelo foi construído: hoje, os produtos livres de glúten podem ser vistos em qualquer supermercado, incluindo marcas de primeira linha. Encontra-se até comida para cachorros livre de glúten. Em alguns países, os rótulos "livre de glúten" também estão sendo colocados em alimentos que nunca tiveram trigo, cevada ou centeio - como legumes e iogurte.
As vendas globais no varejo de produtos especialmente formulados para serem livres de glúten quase dobraram desde 2007, para US$ 2,1 bilhões no ano passado, segundo o Euromonitor International. Na América Latina, as vendas de produtos rotulados como livre de glúten somaram US$ 94,8 milhões no ano passado, 6,3% a mais que em 2012, e devem chegar a US$ 127,3 milhões até 2018, de acordo com a firma de pesquisa Euromonitor.
O Brasil responde pela maior parte deste volume, onde as vendas chegaram a US$ 68,5 milhões no ano passado, uma alta de 14,6% ante 2012. A previsão da Euromonitor é que até 2018 elas alcancem US$ 87,2 milhões.
Apesar da publicidade crescente desses produtos, a maior parte dos executivos da indústria de alimentos afirma que uma dieta livre de glúten deve ser feita por quem tem necessidades médicas. Nutsch, a pesquisadora de câncer, disse que seguiu seu regime livre de glúten por duas semanas e perdeu alguns quilos. Mas ela disse que nunca se sentiu totalmente satisfeita comendo as mesmas coisas todos os dias e desistiu. "Eu notei uma diferença em como meu corpo se sentia", disse ela. "Mas não sei se é porque era livre de glúten ou porque eu estava fazendo comidas frescas todos os dias."
Valor
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