sexta-feira, 28 de agosto, 2015

No Equador, o melhor chocolate do mundo

Onde é feito o melhor chocolate do mundo? Essa é uma escolha difícil, mas muitos diriam em algum país da Europa. Pois Santiago Peralta está determinado a mostrar que é aqui ao lado, no Equador. "Tenho certeza de que o Equador será a Suíça da América Latina para o chocolate", disse. E ele vem ganhando argumentos a seu favor.
O equatoriano Peralta é dono da Pacari. Essa marca, não distribuída no Brasil, é a mais premiada do mundo recentemente. Nos últimos três anos, venceu a categoria principal, de melhor barra de chocolate escuro (amargo), no International Chocolate Awards, além de outros cem prêmios.
"Foi uma surpresa no universo do chocolate", disse Peralta sobre o primeiro prêmio, em 2012. "Muitos devem ter achado que foi sorte de principiante. Mas depois ganhamos de novo. Aí não é mais sorte. Ou é muitíssima sorte", brincou, rindo, em entrevista ao Valor, no escritório da Pacari, num elegante bairro central de Quito. A fábrica fica no sul da capital equatoriana.
É preciso olhar com cautela para essas competições. São eventos comerciais, paga-se para concorrer, e as marcas mais conhecidas em geral não participam. Ainda assim, três títulos seguidos impressionam e projetaram a Pacari no mundo do chocolate.
Peralta e sua mulher e sócia, Carla, não eram exatamente principiantes. Eles fundaram a Pacari em 2002. "Começamos certificando as primeiras fazendas de cacau orgânico independentes do país. Pouco a pouco a coisa cresceu, e hoje contamos com 3.500 famílias de produtores, um exército de gente. Fomos aprendendo de tudo sobre o cacau, muito por tentativa e erro, pois não tínhamos background. Nós somos da serra, o cacau está na costa. Até 2007, fazíamos pasta e outros produtos de cacau para exportação. Mas o valor agregado era pequeno. O desafio era como criar uma marca de chocolate."
O Equador tem o cacau no seu DNA. O resquício mais antigo de chocolate do mundo, com cerca de 5.500 anos, foi achado no país, o que sugere que a planta pode ter se originado lá. "O Equador tem há muito tempo a fama de ter o melhor cacau do mundo. É uma questão histórica aqui. Os primeiros bancos surgiram com dinheiro do cacau, as famílias mais ricas vinham do cacau, eram os barões do cacau. O Equador chegou a produzir 70% do cacau do mundo", disse.
Hoje o país produz apenas 2% do cacau mundial. Mas responde por cerca de 50% do chamado cacau fino. "Esse é um cacau que, pela sua natureza, genética ou pelo seu terroir têm não somente sabor de chocolate, mas sabores secundários, floral, frutada, caramelo, nozes, especiarias e outros", explica Peralta.
E é justamente essa diversidade que a Pacari busca explorar, com chocolates de diferentes 'terroir' e espécies. A barra premiada no concurso de 2013, por exemplo, foi feita com uma variedade de cacau albino. "O Equador produz 230 mil toneladas de cacau por ano. Dessa variedade havia só 3 toneladas."
O 'terroir' (conjunto de características que incluem solo, clima, localização, técnicas de cultivo) gera sabores diferentes em locais diferentes. "Todos nos veem como cacau do Equador, mas há muitos cacaus, é uma coisa mais complexa. A diferença de sabor entre eles é incrível. É como os vinhos, mais ou menos. Quando o chocolate começa a ser visto com o respeito que o vinho tem, a coisa muda."
Além dos diferentes cacaus, a Pacari buscou inovar com uma gama original de sabores. "Fizemos o primeiro chocolate do mundo com physalis orgânica, uma planta andina. Fizemos com sal mineral de Cusco, com um condimento mapuche do Chile que se chama merken [um tipo de pimenta], com 'yerba luisa', que vocês no Brasil chamam de capim-limão e que é um dos sabores mais universais, existe em todos os trópicos. Fizemos chocolate com sabor dos trópicos, pois todas as versões de chocolate eram europeias, com o leite da vaca suíça, com amêndoas, passas ou avelãs. Houve uma ditadura de sabor do chocolate por cem anos. Começamos a ter a nossa própria identidade."
Mas Peralta não quer apenas fazer um bom chocolate. A Pacari faz parte de um movimento mais amplo que busca trazer a produção de chocolate para onde se produz o cacau, o que permite adotar o conceito "from tree to bar", pelo qual a empresa controla o produto da árvore, do cacauzeiro, até a barra de chocolate. Todos os ingredientes são orgânicos. E a produção tem de ser ambiental e socialmente sustentável.
"Não pode ser que, quando você dá um chocolate de presente à sua esposa, sua mãe, seus filhos, por que você os ama, dê a eles um produto feito com trabalho escravo. Mas 85% do cacau vem de escravidão, de gente que ganha menos de US$ 1 por dia na África. Há crianças que trabalham por pão e água. O chocolate está ligado aos sentimentos mais nobres do homem. Isso não pode estar ligado com lixo. É uma questão de coerência. E é preciso denunciar isso, por que é gravíssimo", afirmou. Segundo ele, seus produtores ganham ao menos US$ 500 por mês, "valor que sobe muito na época da colheita".
Por isso, Peralta defende que seu chocolate seja caro. A barra de 70 g custa cerca de US$ 3 (R$ 10,50) no varejo em Quito. "Esse é um cacau muito especial. Nós pagamos bem e cobramos bem. Não podemos vender o melhor cacau do mundo a um preço baixo", diz ele. "Se você não paga bem o agricultor, nunca terá o melhor cacau [...] Não é só a genialidade, a matéria-prima é importantíssima."
Sobre o chocolate do Brasil, Peralta cita "uma empresa de que eu gosto muito, a Amma, de Diego Badaró. Uma maravilha. Somos os dois únicos latinos fazendo ruído e falando sobres esses assuntos [responsabilidade social e ambiental], com todos esses europeus e americanos, aos quais isso não importa."
A Pacari, com 70 funcionários, não divulga dados de faturamento. Peralta se justifica dizendo que, da última vez que citou valores, houve uma tentativa de assalto. "O negócio do chocolate hoje é pequeno no Equador. Não lucramos milhões. Mas creio que a qualidade do chocolate que se come aqui não se come em nenhum lugar do mundo. O Equador não prima pela quantidade, mas dá lições de tendência interessantíssimas."
Resta o problema: como convencer o consumidor a deixar o chocolate belga ou suíço na prateleira e comprar o equatoriano, talvez mais caro? "Eles não conhecem e estão perdendo o melhor chocolate por ignorância. É uma questão de educação, de desenvolver o sentido do gosto no chocolate. Fazemos muita degustação. Quando as pessoas experimentam, elas nos entendem. Há também uma questão cultural. As elites da América Latina não valorizam muito o que é feito por aqui. Os chilenos têm um grande amor pelo seu vinho. Os argentinos também. Mas quando se trata de chocolate, é gringo. Eu adoro os vinhos argentinos e chilenos, e quando se trata de chocolate, é o equatoriano. Mas pouco a pouco isso vai mudando.
Valor Economico
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