segunda-feira, 13 de julho, 2020

Em duas semanas, Brasil pode ter 1,6 mil mortes diárias por covid-19

Em meio a declarações de governadores e prefeitos afirmando que o pior da pandemia causada pelo novo coronavírus já passou, o Brasil pode ter 1,6 mil mortes diárias ou mais pela doença daqui a duas semanas. A estimativa é de um modelo matemático desenvolvido por pesquisadores da Universidade Federal do Paraná (UFPR), que se dedica à análise de dados da doença desde o início da pandemia.
O sistema usa os chamados algoritmos evolutivos, uma das vertentes da área de inteligência artificial, para analisar os dados públicos do Ministério da Saúde e projetar a curva. Nesta quinta (9), mais de 42 mil casos e 1.200 óbitos foram confirmados no país. O acumulado é de 1,75 milhão de registros e 69.184 mortes desde o início da pandemia. O modelo da UFPR estima que em duas semanas o número de confirmações diárias passe a ser de 48 mil em média.
Para chegar ao que os pesquisadores do Grupo de Inteligência Artificial Aplicado à Bioinformática definem como um bom modelo para a análise, o início dos estudos utilizou números de outros países atingidos pela pandemia, como Itália e Alemanha.
“Fizemos as análises no Brasil com o modelo já funcional”, explica o professor da UFPR e coordenador do projeto, Roberto Raittz. A metodologia integra os casos e as mortes diárias com a previsão da semana atual (com os dados atualizados), e também com os da semana anterior; os dados são processados pelos pesquisadores sempre no início de cada semana, e estão disponíveis no site do projeto.
O objetivo do modelo, salienta Raittz, é fornecer ao poder público uma ferramenta adicional para auxiliar na tomada de decisões, como flexibilização de quarentena e isolamento social, baseado em ciência. O projeto reúne análises para estados e municípios de todo o país, justamente para ajudar na orientação de maneira localizada, se adequando à realidade de cada município, no que ele define como uma “visão completa sobre a pandemia no Brasil”.
Por isso, o professor frisa que, levando em conta os números, esse é o pior momento para flexibilizar a quarentena. “Não existe nenhum estado do Brasil que esteja em declínio. Amazonas e Rio de Janeiro estão em queda, mas uma descida que não indica que a pandemia está de fato atenuada nesses estados. Pelas análises, observamos que a curva de casos em todo o mundo desceu muito mais lentamente do que subiu. E o Brasil ainda não está no máximo. Como vai flexibilizar sem chegar ao pico?”, questiona Raittz. “Não faz sentido. Isso é bem visível”.
Ainda de acordo com o modelo matemático da UFPR, se conclui que países como a Alemanha relaxaram as regras de isolamento no momento certo, quando havia de fato uma queda considerável. É o país menos atingido na Europa pelo vírus, com 199 mil contaminados e 9 mil óbitos. Raittz pontua o mau exemplo dos Estados Unidos: os números apontam que a flexibilização precoce gerou uma segunda subida abrupta no número de casos. O país é o primeiro em registros e óbitos, mais de 3 milhões e 135 mil mortes, respectivamente.
Para o professor da Escola de Medicina da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR), José Rocha Faria Neto, os efeitos sobre a flexibilização em capitais como São Paulo e Rio de Janeiro são incertos. “Vamos ter que esperar, e vai depender muito das formas de distanciamento. Mas pode ter um aumento de casos, sem dúvida. Basta ver o que aconteceu na Flórida [EUA] , por exemplo. Esse tipo de medida só pode ser falada em estado com descenso”.
Neto, que está à frente de um estudo ligado ao Centro de Epidemiologia da universidade para o monitoramento da doença, fala que o relaxamento não faz sentido para estados como o Paraná, que vivencia um crescimento exponencial, com importante salto em julho. De acordo com a Secretaria Estadual da Saúde (Sesa), foram 11 mil casos nos primeiros dias do mês, e 202 óbitos.
A pandemia já atinge 93% do estado, onde mais de 130 municípios estão, desde o começo de julho, na chamada “quarentena restritiva”, decretada pelo governador Ratinho Jr. (PSD), que ordenou a volta do fechamento de comércio não essencial nas regiões mais afetadas.
José Rocha Neto pondera que é necessário paciência e cooperação da população. “Não existe uma garantia que a reabertura vai acontecer e continuar. O cenário pode mudar de uma semana para outra, e isso é uma regra para o país todo, que precisa monitorar os casos e ocupações dos leitos de UTI. Só vamos nos ver livres a hora que chegar uma vacina”.
Testada no Brasil, vacina desenvolvida pela Universidade de Oxford é considerada a mais promissora, e existe uma expectativa para distribuição ainda em 2020.
A falta de planejamento das quarentenas e de uma ação integrada no Brasil sobre a contenção da pandemia deve prolongar e piorar a recessão econômica – o Fundo Monetário Internacional (FMI) estima que a economia brasileira vai despencar 9,1% este ano.
O economista e reitor da Universidade Positivo, José Pio Martins, usa a analogia de um terremoto para explicar o que deve acontecer no país nos próximos meses: por mais que ele passe, deixará grandes estragos na estrutura.
“A crise é um terremoto sanitário e, quando a produção for retomada, ela não volta do mesmo patamar anterior. Justamente por toda a desorganização e problemas gerados na estrutura. Mesmo que, por um milagre, em 60 dias não exista mais coronavírus. Tem empresa que faliu, muito profissional liberal que perdeu receita, desemprego, queda de arrecadação tributária. Tudo isso gera fragilidade na retomada”.
Epoca - 12/07/2020
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