sexta-feira, 30 de outubro, 2015

Produtores de vinho de Portugal investem em marcas mais baratas

Saindo da crise econômica, ainda que lentamente, Portugal busca no Brasil refúgio para a sua produção de vinhos. As adegas da Península de Setúbal, região ao sul de Lisboa, apostam que o Brasil será seu maior mercado de exportação fora da União Europeia - posto ocupado por Angola - neste ano, apesar da recessão na economia brasileira. Para tanto, as empresas investem para melhorar a distribuição e em marcas mais baratas.
A penetração de vinhos portugueses no Brasil está atrás da de países sul-americanos. No ano passado, a importações brasileiras de vinhos de Chile e Argentina representaram cinco vezes o volume de Portugal, que até bem recentemente também perdia para a Itália.
Qualquer expansão mínima no hábito de consumo brasileiro, de de 1,8 litro de vinho per capita por ano, teria grande impacto para um país com a dimensão de Portugal. O país, que tem consumo anual de 43 litros per capita, tem população vinte vezes inferior à brasileira.
Para ganhar espaço no mercado brasileiro em tempos de crise, a adega Casa Ermelinda Freitas lançou um rótulo exclusivo para o País, com preços mais acessíveis. Chamada Fazenda Velha, a marca é vendida há cerca de um ano em supermercados brasileiros a cerca de R$ 18 a garrafa, nas versões tinto, branco e rosé. "Estamos contentes, mas não acomodados com o Brasil. Sabemos das dificuldades no País, por isso estamos indo constantemente a feiras de negócios e restaurantes", diz Leonor Freitas, proprietária do negócio.
A Casa Ermelinda Freitas exporta 40% da produção e vende o restante no mercado português. Segundo Leonor, a empresa busca inverter essas proporções e conta com a ajuda dos negócios no Brasil para isso.
A crise em Portugal, iniciada em 2008 e agravada em 2011, obrigou as empresas a buscarem mercado fora do país, o que justifica o fato das exportações de vinho para o Brasil terem mais do que dobrado de dez anos para cá.
Como o português é fiel ao hábito de consumir vinhos, os volumes no mercado interno se mantiveram. Mas os preços caíram, acompanhando os salários. Um vinho que era vendido a € 5 passou a ser vendido por € 3, explica Luis Silva, enólogo da Adega de Palmela, uma cooperativa que reúne mais de 300 sócios. "As margens apertaram, muitas empresas faliram. As mais bem geridas e capitalizadas concentraram o mercado das que quebraram", conta.
Atrás das regiões do Alentejo e do Douro, a Península de Setúbal é a terceira maior produtora de vinhos certificados (com selo de denominação de origem e indicação geográfica) em Portugal. Representa 5% do volume de todos os vinhos dessa categoria no país e 12% em valor. Os números indicam que o produto da região tem percepção de valor agregado superior à média nacional. São 25 milhões de litros por ano de vinhos certificados, além de mais 15 milhões de vinhos de mesa.
Desconsiderando as exportações para a União Europeia, o Brasil consome cerca de 35% da produção de vinhos da Península de Setúbal, que reúne 150 empresas, a maior parte delas de gestão familiar. O Brasil ainda está atrás de Angola no ranking de maiores mercados consumidores de vinhos portugueses. Tudo indica, porém, que o Brasil vai, no mínimo, empatar com o Angola este ano, segundo Henrique Soares, presidente da Comissão Vitivinícola Regional da Península do Setúbal (CVRPS).
Jorge Lucki, colunista de vinhos do Valor, diz que Angola é o primeiro mercado para o vinho português. Boa parte dos consumidores de alta renda no país não sabe apreciar um bom vinho, mas compra muito.
Em 2013, ano de vendas recordes na Pensínsula de Setúbal, foram exportados 1,1 milhão de litros de vinho para o Brasil. Soares diz que será "um bom resultado" se a região conseguir repetir os números de 2013 este ano. Em um prazo de sete anos, prevê, será possível aumentar o volume para o Brasil em cerca de 36%.
Para Soares, as empresas estão "absorvendo" a variação cambial para não aumentar os preços ao consumidor brasileiro, até agora. No entanto, algumas adegas já projetam reajuste. É o caso da adega José Maria da Fonseca, uma das mais tradicionais da região, dona do rótulo Periquita.
O Brasil é o principal mercado da marca Periquita, que é também o vinho tinto português mais vendido no mundo. Domingos Soares, proprietário da adega José Maria da Fonseca, conta que a empresa não altera o preço do Periquita no Brasil há oito anos, mas que pode haver aumento se confirmada a expectativa de aperto das taxas de importação brasileiras.
É recorrente a reclamação dos empresários da região contra um crescente protecionismo do Brasil com as marcas locais e uma desvantagem competitiva grande em relação aos países do Mercosul.
Para driblar as dificuldades, a José Maria da Fonseca trocou a Diaggeo pela Interfood como distribuidora da marca no Brasil. "Optamos por uma relação mais próxima com o consumidor, com um distribuidor especializado em vinhos. Não é possível isso com uma multinacional", afirma Miguel Azevedo, diretor de marketing e vendas da adega.
Na adega Bacalhôa, umas das poucas sociedades anônimas do setor de vinhos da região, a mudança de distribuidor no Brasil deu resultado. "O Brasil voltou a fazer encomendas", afirma Felipa Tomaz, enóloga da casa.
O Brasil é o terceiro maior mercado da Bacalhôa, perdendo apenas de Angola e Canadá. A empresa exporta 40% da produção e busca mais. No mercado português, os sinais de recuperação da economia são alvo de desconfiança dos executivos e empresários do vinho. Portugal, na opinião de Felipa, é um estado muito caro, que gasta mais do que arrecada. "Acho que os sinais de recuperação são mentira e daqui a dois anos o país vai estar na mesma porque não fez as reformas que precisava", comenta.
Em 2014 Portugal saiu do programa de resgate da União Europeia e do FMI, mas continua sob vigilância. Nos últimos três anos, houve uma sensível queda na qualidade de vida dos portugueses. O empresário António Saramago, dono de uma adega que leva o seu nome, acredita que seu país repete a mesma situação vivida hoje no Brasil: "A classe média está desaparecendo". No entanto, o mercado de luxo, nicho no qual Saramago trabalha no Brasil, não se abalou.
A repórter viajou a convite da Comissão Vitivinícola da Península de Setúbal
Valor Economico
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